2.5.09

Corpo de delito



AS MÃOS E A ROSA

(Relatório)

Na madrugada pardacenta
entre armações veleiras
no cais dos pescadores
era ainda o horizonte
coalhado de vagalumes

a Polícia Geral
surpreendeu
a existência clandestina
temerária
para mais parecendo apetecida
de duas mãos e uma rosa

Estes objectos
se passam a descrever:

Rosa sem qualificação particular
entre rosa e vermelho
pétalas semi-abertas
como a boca da detida
a quem pertencia uma das mãos em questão
A outra mão sombria
de pêlos lavrada
e veias atravessada
pertencia ao cidadão
por quem naquele instante
a detida era abraçada

As mãos possuíam a rosa
A rosa era possuída
As mãos mutuamente
possuíam as mãos
E cada pessoa
depois na prisão
se declarou possuidor
da mão que possuía a outra mão
que possuía a rosa

E cada um deles
com grande arrogância
se declarou possuidor
da pessoa do outro
no mesmo teor

em que o eram da rosa
através dum fenómeno
a que chamaram amor

Detiveram-se os três objectos
mas não havendo instrumento
para separar as mãos
dos corpos respectivos
prenderam-se os corpos também
e ainda bem
pois possuindo-se
mutuamente segundo a declaração
bem é que fiquem na prisão

pois todas estas posses
− tanta posse tanta posse −
se verificaram à margem
da Teoria da Tributação

Eu José Calcador
da Polícia Geral
de Sua Majestade Solar
El-Rei D. Nabucodonosor


Carlos Wallenstein