Negro gigante, teu músculo forte
está a perder a modelação antiga e bela;
no cais medonho as tuas mãos de aço
já se habituaram a não ter descanso;
teu peito largo tornou-se porto de salvação
de todas as poeiras de minérios estrangeiros;
teus sentidos perderam mesmo a vibração!
ao escutar o silvo agudo dos comboios chegando;
do outro lado da baía calma, cantando,
a tua gente trabalha nas salinas
e é mais feliz,
que os homens das minas
ou a gente da cidade.
Negro gigante, teu músculo forte
vai-se corroendo lentamente, inexoravelmente,
com a música cadenciada das grandes pás de ferro,
lançando minério nos porões dos cargueiros;
teu corpo forte vai mirrando,
perdendo a modelação antiga e bela;
abandona o cais,
e vai trabalhar nas terras da gente
que é tua e vive esperando por ti;
diz a teus irmãos
da febre que a todos domina e consome,
da insatisfeita fome
dos navios de todas as bandeiras,
e das gentes que andam descalças e nuas;
não lhes fales nas minas do Rand
e nos homens que regressam das minas;
fala-lhes deste cais
do que se passa nas fábricas e nas ruas,
e não voltes mais;
porque deste lado da baía calma
morreu a esperança de uma fusão fraterna
morreu mesmo o brilho das estrelas.
Aqui, os homens não se entendem.
Estão cerradas todas as janelas.
Virgílio de Lemos
Moçambique