26.8.07


Gelo com flores


Diziam no café que estava prestes
a ser servido, mas o quê?
A tua nuca? Essas mãos
desamparadas sobre a mesa puída
com nós embaciados de furtivos usos
e conversas engalanadas e malsãs?

Não posso dizer que tenho ainda,
sequer neste interior nocturno com abóbadas,
o ímpeto de dor que noutras ruas
à claridade do sul perto do mar
(como eu odeio a claridade, o sul e o seu mar)
me fez sossobrar ao segredo do álcool.
Mas porque não jurar-te - é o crepúsculo -
que certos fogos próximos do fim
ganham duma inércia consumida
o maior poder de cremação.

De repente um holofote mais baço
acendeu-se contra o alvo de centro perdido.
Atira o dardo, é a tua vez. Porque esperas?
Queres que seja eu, em tudo, a manejar?
E tu de mãos tão hábeis, o pulso grosso e mesteiral,
o cabelo farpado sobre as sobrancelhas de vinil.

Com as calças vermelhas, a camisa de riscas ferozes
e a gabardina abandonada num banco de balcão,
o tocador de alaúde saúda um tempo que passou,
alegra o tumulto contido do salão onde as bebidas,
as refeições ligeiras, os últimos encontros do dia
se preparam para amanhã, para um quase sempre
de entradas e saídas acompanhadas de risos
e olhares onde a ternura se esquiva para a rua.

Agora é tarde. Sobe para além da noite
o nevoeiro habitado na comporta
onde correm lamas e a ferrugem
de todas as coisas abandonadas.
Quando sorriste por entre os remos,
a convulsão viscosa dos detritos
cresceu em arbustos vermelhos
com as bagas crepitando na sombra;
e uma rede de pássaros invisíveis
cantou para ninguém, nos cimos,
na flutuação de chamas inesperadas

Joaquim Manuel Magalhães