Nha Chica, conte-me 
aquela história 
de meus irmãos 
hoje perdidos 
no mundo grande... 
Nha Chica, eu sei: 
anos de seca, 
gentes morrendo, 
casas sem telhas, 
de porta em porta 
olhos crescendo 
barriga inchando, 
um dia tombam 
de olhos vidrados 
por qualquer canto...
 
Lisboa, América, 
Dakar ou Rio: 
- dentro de nós surge 
esta ideia 
partir!, partir! 
Resignados, 
os que ficaram 
ficam esperando 
que as nuvens toldem 
que a chuva caia 
que o chão fecunde 
cobrindo os montes 
cobrindo as várzeas... 
Ah! anos fartos! 
Milho, feijão, 
pilão cochindo, 
fumo no ar, 
riso nos lábios, 
grogue, cigarros, 
batuques, bailes 
e casamentos... 
Olho estes campos, 
olho estes mares, 
e sinto a Vida 
prendida à terra, 
feita de sonhos 
que um dia esvaem-se 
-mas surgem sempre...
 
António Nunes (poeta caboverdiano)
