
Os navios existem, e existe o teu rosto 
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades, 
partem no vento, regressam nos rios.
Na areia branca, onde o tempo começa, 
uma criança passa de costas para o mar.  
Anoitece. Não há dúvida, anoitece. 
É preciso partir, é preciso ficar.
Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram nas esquinas.  
Amo-te... E entram pela janela 
as primeiras luzes das colinas.
As palavras que te envio são interditas 
até, meu amor, pelo halo das searas; 
se alguma regressasse, nem já reconhecia 
o teu nome nas suas curvas claras.
Dói-me esta água, este ar que se respira, 
dói-me esta solidão de pedra escura, 
estas mãos nocturnas onde aperto 
os meus dias quebrados na cintura.
E a noite cresce apaixonadamente.  
Nas suas margens nuas, desoladas, 
cada homem tem apenas para dar 
um horizonte de cidades bombardeadas.
Eugénio de Andrade