Madrugada

que há tanto tempo enrodilhado 
num sem-fim de estados de alma 
me obcecava, tirânico, 
sem se deixar fixar! ... 
Madrugada... e esta solidão crescendo, 
esta nostalgia maior, e maior, e maior, 
de não se sabe o quê 
— nunca se sabe o quê... 
que haverá nestas horas sozinhas e geladas, 
para assim trazer à tona as indefinidas mágoas, 
as saudades e as ânsias sem motivo 
— de que não sabemos o motivo?... 
Vieram as saudades do tempo de menino 
— ou dum paraíso lá não sei onde? 
Ah! que fantasmas pesaram sobre os ombros, 
que sombras desceram sobre os olhos, 
que tristeza maior fez maior o silêncio? 
A que vem esse calor distante e absorto, 
esse calar, esses modos distraídos? 
Meu pobre sonhador! a esta hora 
porventura se desvenda a Suprema Inutilidade? 
e a definitiva ilusão de tantos gestos? 
Interroga, interroga... 
vai sonhando, 
sem que saibas sequer o caminho que segues 
vai, distraído e pensativo, 
alheio de hoje, 
vivendo já o derradeiro segundo... 
Que a madrugada tem o pungir das agonias, 
mas alheio, como o fim dum pesadelo...
Adolfo Casais Monteiro