Algum dia esses olhos que beijavas tanto
           Numa carícia sem mistérios
           Olharão para o céu e pararão.
           Nesse dia nem o teu beijo angelizante
           Poderá novamente despertá-los.
           A luz que lhes boiava nas pupilas
           Tu a verás talvez na face magra
           Do Cristo prisioneiro entre as mãos crispadas.
           Eles serão brancos - a imagem desse céu alto e suspenso
           Que foi a sua última visão.
           Eles não te dirão mais nada.
           Não te falarão aquela linguagem extraordinária
           Que te repousava como uma música longínqua.
           Não olharão mais nada que uma distância qualquer,              longe
           Uma distância que nem tu nem ninguém saberá qual              é.
           Eles estarão abertos, compreensivos da morte, parados
           Nem tu conseguirás mais despertá-los.
           E eu te peço - tu que tanto amavas repousá-los
           Com a luz clara do teu olhar sem martírios -
           Não os prendas à angústia triste do teu pranto.
           Silêncio... silêncio... Beija-os ainda e vai...
           Deixa-os fitando eternamente o céu.           
Rio de Janeiro, 1933
Vinícius de Moraes (poeta brasileiro)
       
