No silêncio morno das coisas do meio-dia
           Eu me esvaio no aniquilamento dos agudíssimos do violino
           Que a menina pálida estuda há anos sem compreender.
           Eu sinto o letargo das dissonâncias harmónicas
           Do vendedor de modinhas e da pedra do amolador
           Que trazem a visão de mulheres macilentas dançando no              espaço
           Na moleza das espatifadas da carne.           
Eu vou pouco a pouco adormecendo
           Sentindo os gritos do violino que penetram em todas as frestas
           E ressecam os lábios entreabertos na respiração
           Mas que dão a impressão da mediocridade feliz e boa.           
Que importa que a imagem do Cristo pregada na parede seja a verdade...
Eu sinto que a verdade é a grande calma do sono
           Que vem com o cantar longínquo dos galos
           E que me esmaga nos cílios longos beijos luxuriosos...           
Eu sinto a queda de tudo na lassidão...
           Adormeço aos poucos na apatia dos ruídos da rua
           E na constância nostálgica da tosse do vizinho tuberculoso
           Que há um ano espera a morte que eu morro no sono do meio-dia.           
Rio de Janeiro, 1933
Vinícius de Moraes (poeta brasileiro)
       
