É terrível, Senhor! Só a voz do              prazer cresce nos ares.
            Nem mais um gemido de dor, nem mais um clamor de heroísmo
            Só a miséria da carne, e o mundo se desfazendo na lama              da carne.           
É terrível, Senhor. Desce teus olhos.
            As almas sãs clamam a tua misericórdia.
            Elas crêem em ti. Crêem na redenção do sacrifício.
            Dize-lhes, Senhor, que és o Deus da Justiça e não              da covardia
            Dize-lhes que o espírito é da luta e não do crime.           
Dize-lhes, Senhor, que não é tarde!
Senhor! Tudo é blasfêmia e tudo é              lodo.
            Se um lembra que amanhã é o dia da miséria
            Mil gritam que hoje é o dia da carne.
            Olha, Senhor, antes que seja tarde
            Abandona um momento os puros e os bem-aventurados
            Desvia um segundo o teu olhar de Roma
            Dá remédio a esta infelicidade sem remédio
            Antes que ela corrompa os bem-aventurados e os puros.
            Não, meu Deus. Não pode prevalecer o prazer e mentira.
            A verdade é o Espírito. Tu és o Espírito              supremo
            E tu exigiste de Abraão o sacrifício de um filho.
            Na verdade o que é forte é o que mata se o Espírito              exige.
            É o que sacrifica à causa do bem seu ouro e seu filho.
            A alma do prazer é da terra. A alma da luta e do espaço.
            E a alma do espaço aniquilará a alma da terra
            Para que a Verdade subsista.           
Talvez, Senhor meu Deus, fora melhor
            Findar a humanidade esfacelada
            Com o fogo sagrado de Sodoma.           
Melhor fora, talvez, lançar teu raio
            E terminar eternamente tudo.
            Mas não, Senhor. A morte aniquila - ao fraco a morte inglória.
            A luta redime - ao forte a luta e a vida.
            Mais vale, Senhor, a tua piedade
            Mais vale o teu amor concitando ao combate último.           
Senhor, eu não compreendo os teus sagrados desígnios.
            Jeová - tu chamaste à luta os homens fortes
            Tua mão lançou pragas contra os ímpios
            Tua voz incitou ao sacrifício da vida as multidões.
            Jesus - tu pregaste a parábola suave
            Tu apanhaste na face humildemente
            E carregaste ao GóIgota o madeiro.
            Senhor eu não os compreendo, teus desígnios.           
Senhor, antes de seres Jesus a humanidade era forte
            Os homens bons ouviam a doçura da tua voz
            Os maus sentiam a dureza da tua cólera.
            E depois, depois que passaste pelo mundo
            Teu doce ensinamento foi esquecido
            Tua existência foi negada
            Veio a treva, veio o horror, veio o pecado
            Ressuscitou Sodoma.           
Senhor, a humanidade precisa ouvir a voz de Jeová
            Os fortes precisam se erguer de armas em punho
            Contra o mal - contra o fraco que não luta.
            A guerra, Senhor, é em verdade a lei da vida
            O homem precisa lutar, porque está escrito
            Que o Espírito há de permanecer na face da Terra.           
Senhor! Concita os fortes ao combate
            Sopra nas multidões inquietas o sopro da luta
            Precipita-nos no horror da avalancha suprema.
            Dá ao homem que sofre a paz da guerra
            Dá à terra cadáveres heróicos
            Dá sangue quente ao chão!           
Senhor! Tu que criaste a humanidade.
            Dize-lhe que o sacrifício será a redenção              do mundo
            E que os fracos hão de perecer nas mãos dos fortes.
            Dá-lhe a morte no campo de batalha
            Dá-lhe as grandes avançadas furiosas
            Dá-lhe a guerra, Senhor!           
Rio de Janeiro, 1933
Vinícius de Moraes (poeta brasileiro)