Amo andar pelas tardes sem som, brandas, maravilhosas
            Com riscos de andorinhas pelo céu.
            Amo ir solitário pelos caminhos
            Olhando a tarde parada no tempo
            Parada no céu como um pássaro em vôo
            E que vem de asas largas se abatendo.
            Amo desvendar a vaga penumbra que desce
            Amo sentir o ar sem movimento, a luz sem vida
            Tudo interiorizado, tudo paralisado na oração calma...           
Amo andar nessas tardes...
            Sinto-me penetrando o sereno vazio de tudo
            Como um raio de luz.
            Cresço, projeto-me ao infinito, agitando
            Para consolar as árvores angustiadas
            E acalmar os pinheiros moribundos.
            Desço aos vales como uma sombra de montanha
            Buscando poesia nos rios parados.
            Sou como o bom-pastor da natureza
            Que recolhe a alma do seu rebanho
            No agasalho da sua alma...E amo voltar
            Quando tudo não é mais que uma saudade
            Do momento suspenso que foi...
            Amo voltar quando a noite palpita
            Nas primeiras estrelas claras...
            Amo vir com a aragem que começa a descer das montanhas
            Trazendo cheiros agrestes de selva...
            E pelos caminhos já percorridos,voltando com a noite
            Amo sonhar...           
Rio de Janeiro, 1933
Vinícius de Moraes (poeta brasileiro)